quarta-feira, 28 de março de 2012

Corpotopias - Ana Kesselring



Se a fragmentação e a estilização do corpo implicava, para a estética moderna, desrealização e desumanização – “destrói-se a forma humana, desumaniza-se a arte”[1] –, em nossos tempos biocibernéticos, era do pós-humano[2], era do pós-orgânico[3], constatamos que o imaginário da desantropomorfização assimilou plenamente a noção da natureza imprevisível dos sistemas vivos, assim como a contingência de um corpo humano mutante, fragmentado, em sintonia com um mundo no qual a simbiose entre orgânico e inorgânico parece ter-se tornado incontornável.
           
            É neste quadro contextual que podemos apreciar a produção recente de Ana Kesselring e Vivian Kass. As duas artistas anunciam, em formas ruptoras da estabilidade dos limites corporais, uma outra natureza, a de um organismo como um sistema de conexões, extensões e hibridizações.  Um corpo intensivo.

            Corpotopias + Aba & Porus tem assim como questão central a construção destes entes situados na conjunção entre o humano, o animal e o vegetal. Corpos grávidos. Corpos que nascem de outros corpos, que habitam excentricamente, fora de seu próprio centro. Em Corpotopias  (Ana Kesselring), é o entrecruzamento da pintura e do desenho que resulta na elaboração destes corpos-borbulha, integrantes de um imaginário rico:  desenhar formas é desenhar espaços, desenhar espaços é desenhar o mundoAba & Porus (Vivian Kass) traz uma explosão lúdica. Avizinhando-se em muitos momentos do legado de Tarsila do Amaral, Vivian reencena Abaporu com suas formas redondas, desdobrando-a em ramificações que são espaços animados. Entes pré-subjetivos, estes corpos-díades são compostos por formas-membro que figuram como extensões protéticas.

Regina Johas
01/11/2011



[1] ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. Ricardo Araújo (trad.). São Paulo: Cortez, 1990.
[2] SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
[3] SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 200

Ana Kesselring




imagem Tácito Fotografia




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